Há anos, na era das redes sociais, tenho acompanhado um processo de desmerecimento aos clubes que disputam a Copa Libertadores, principalmente em relação a crítica partida dos torcedores de clubes que não participam da competição. Algo natural, já que no Brasil o torcedor é extremamente passional, a ponto de perder a noção da realidade e da moralidade para defender os interesses de seu time.
Depois de anos ouvindo as mesmas exclamações, procurei pensar melhor sobre o tema e cheguei à conclusão que há sim um processo de enfraquecimento da competição como um todo, pois há muita distância técnica e financeira entre os times brasileiros comparados com os latinos (exceção aos mexicanos), onde nem a aplicação tática e a conhecida garra latina estão sendo capazes de competir.
Olhando para a tabela dos últimos 10 campeões, notamos que em apenas uma final não houve a participação de Brasileiros (2004), quando fora realizada por Boca Juniors x Once Caldas (COL), sendo que o time colombiano eliminou o São Paulo nas semifinais. Nos demais 9 anos com participações brasileiras em finais, os representantes do país sagraram-se campeões em 6 oportunidades, chegando a disputar duas finais consecutivas entre brasileiros. Nas últimas quatro edições do torneio, quatro times brasileiros sagraram-se campeões, sendo que o Atlético-MG e o Corinthians faturaram pela primeira vez a competição, o que mostra o domínio brasileiro e que acaba tornando um argumento de desmerecimento por parte do torcedor rival.
Se continuarmos desmembrando a cada década, veremos que entre 1994 e 2003 o futebol brasileiro conquistou 4 títulos contra 5 da Argentina, enquanto que de 1984 a 1993 apenas o São Paulo com seu bicampeonato conquistou títulos para o país. São vários os motivos que explicam esta tendência de abrasileiramento da competição, que vão desde financeiros, bem como um maior foco do país na Libertadores, já que anteriormente o futebol local valorizava mais seus estaduais e os nacionais.
- O Aumento do Número de Participantes
Até a edição de 1999, a competição era formada por 21 representantes, sendo um deles o Campeão do ano anterior que entrava nas oitavas-de-finais. Havia uma disputa de países, pois os dois representantes de cada país na primeira fase ficavam no mesmo grupo, e disputavam contra a dupla de representantes de um outro país. Assim, com um grupo tão seleto de equipes, havia menor espaço para a mediocridade.
A partir de 2000, o número de participantes subiu para 32 (8 grupos de 4), com o aumento para 4 Brasileiros e Argentinos e 3 dos demais países, com exceção da Venezuela e do México (efetivado na fase de grupos), estes com 2. Em 2004, novo aumento de participantes, agora para 36, com 9 grupos de 4, e a partir de 2005, o formato atual com 44 times, sendo 12 em uma repescagem que se junta aos 26 restantes em uma fase de grupos com 32 times (8 grupos de 4).
Com o dobro de participantes da era clássica, a Conmebol optou pela democracia na política da boa vizinhança ao invés de privilegiar os melhores.
- A era dos pontos corridos e o fortalecimento econômico no Brasil
Com a adoção dos pontos corridos no Campeonato Brasileiro em 2003, o calendário brasileiro passou a ficar mais previsível, o que facilitou um maior planejamento e alcance para obtenção de novas receitas. A televisão passou a pagar mais, as vendas de pay-per-view difundiram-se, enquanto os clubes obtiveram maiores receitas de ingressos e do programa sócio torcedor, já que virou vantajoso associar-se ao clube para assistir a um número maior de jogos.
Houve, também, o crescimento da economia brasileira, que impulsionou em valores mais vantajosos de patrocínios na camisa, além do fator Copa do Mundo que atraiu muitos investidores desde 2007, quando o país soube que sediaria a Copa. No fim das contas, um clube brasileiro tem um poder de investimento exponencialmente maior que o de um latino.
- Lei Bosman, Cota de Estrangeiros e Interesse Europeu nos jogadores sul-americanos
Até meados da década de 1990, um clube europeu poderia ter um limite máximo de estrangeiros, restrição que ainda persiste, só que de forma menos exigente, permitindo mais estrangeiros. A diferença é que até a Lei Bosman, um jogador de outro país da Europa era considerado estrangeiro, o que dificultava as transferências de jogadores de outros continentes, como o sul-americano. Com isso, apenas os principais jogadores do continente tinham mercado na Europa. Após a Lei de Bosman, que tirou as restrições entre países comunitários, ficou mais fácil um jogador sul-americano ser negociado, o que aumentou o interesse europeu nestes jogadores. Hoje vemos muitos equatorianos, chilenos, paraguaios e uruguaios jogando em clubes europeus.
Sem conseguir competir economicamente, todos os times perderam os grandes e bons jogadores, porém como o Brasil tem maior poderio econômico no continente, consegue ainda segurar suas revelações por mais tempo, além de desfalcar seus adversários com contratações de destaques que jogam em equipes latinas, como uma ponte para a Europa. Para piorar para os clubes latinos, em 2014 a CBF aumentou o limite de estrangeiros de 3 para 5 jogadores, que um clube brasileiro poderá escalar nas competições nacionais. Na Libertadores não existia esta restrição, porém os clubes que detinham numero maior que o limite (Inter, Grêmio), sempre tiveram problemas em administrar o elenco ao longo da temporada.
- Crescimento do futebol na Ásia e América do Norte
Além do maior interesse europeu, o futebol cresceu economicamente na Ásia, surgindo novos mercados para os jogadores sul-americanos sem mercado na Europa, como o Japão, China, Coréia e Oriente Médio, que podem pagar salários maiores que os clubes sul-americanos. Ainda há o futebol norte-americano, com muitas transferências para o México e para os Estados Unidos na MLS (Major League Soccer), tornando-se outro ponto atraente de refugio para o jogador sul-americano e desfalcando ainda mais os clubes do continente, principalmente os latinos.
- Enfraquecimento dos Grandes clubes Latinos
Outro argumento que também pesa para a queda do nível da competição é o enfraquecimento de grandes potências na competição, como Peñarol e Nacional do Uruguai, Boca Juniors, River Plate e Independiente da Argentina, Barcelona e América da Colômbia, Universidad Católica e Colo-Colo do Chile, dentre outros.
Eventualmente algumas destas equipes têm representado seus países na competição, porém sem a mesma força de antes, em virtude da maioria estar em situação falimentar e não conseguir fazer a transição natural das transferências, que é de clubes pequenos para médios, de médios para grandes do continente, e assim para exterior.
Clubes pequenos e sem tradição, com o apoio de empresários, conseguiram organizar-se a ponto de conquistar a vaga para a competição, e todo ano, presenciamos “novidades” na competição, com seus estádios acanhados, que contrastam com os campos brasileiros.
- Mudança de Pensamento dos Dirigentes Brasileiros e Fim do Clima de Guerra
Por muito tempo, a Libertadores conviveu com clima bélico dentro de campo, com várias batalhas campais protagonizadas pelos times latinos, principalmente os argentinos. Não é atoa que o país ainda detém o maior numero de títulos na competição, criando uma invejosa hegemonia nos anos 60 e 70. Esse clima de violência e insegurança afugentava os clubes brasileiros. Aos poucos, com um maior televisionamento e um maior cuidado das autoridades, este clima diminuiu até praticamente inexistir, resignando-se a pressão do torcedor nas arquibancadas em forma de apoio ao time e aumentando a sua profissionalização.
Até a década de 90, o Brasil ainda dava pouca importância a Libertadores. Os títulos eram comemorados e venerados, porém havia um maior enfoque ao futebol local, com as competições estaduais e nacionais. Com os títulos de Flamengo e Grêmio na Década de 80 e os do São Paulo e novamente do Grêmio na década de 90 mudaram a visão dos dirigentes, que passaram a valorizar a competição, tratando-a como prioritária.
A competição também ganhou visibilidade e viabilidade econômica com a entrada da FoxSports, tornando-a atrativa financeiramente para os times participantes. No Brasil, passou-se a valorizar a classificação para a Libertadores, com um planejamento voltado à conquista da taça, o que proporcionava melhores contratações e melhores equipes, já que um time que disputa a competição acaba levando vantagem na hora de se reforçar.
Enfim são vários fatores que fazem com que a competição pareça mais fraca a cada ano, cabendo aos times brasileiros o diferencial. Quando isso não acontece, aí a competição fica totalmente nivelada para baixo.